– Você é alemão, estamos conversando em inglês agora e sua namorada é brasileira, embora vocês tenham se conhecido na Austrália. Em que idioma vocês se comumicam, afinal?
– Não existe língua para o amor.
O comentário arrancou risadas de todos aqueles ao redor, mas principalmente de mim. Os alemães, reza o esteriótipo, são mais sérios e menos propícios a fazerem piadas espontâneas que povos latinos em geral. Mas eu sentia que o humor de Jonathan tinha conexão direta com o fato de ele estar se interando, em decorrência de seu relacionamento amoroso, à cultura brasileira. Sua imersão, como de praxe, passava também pelo aprendizado do português – o qual entendia algumas palavras, mas falava pouco.
A língua é um dos patrimônios mais valiosos de um povo. Trata-se não apenas de uma ferramenta de comunicação mas também da ponte definitiva para mergulhar na cultura e na alma de um país. Por isso, o idioma local – de qualquer país, região ou tribo – é causa de tanto orgulho e motivo de tantas dicussões acaloradas. Quem já teve a oportunidade de viajar para o exterior e ouvir a pergunta ‘você fala espanhol?’ como se a língua de Camões fosse a mesma de Cervantes sabe como o questionamento doi na alma e fere o orgulho.
A situação com Jonathan era ainda mais curiosa porque se passava no meio de uma vila na Bósnia Herzegóvina, nação europeia assolada pela guerra no início dos anos 1990 na esteira da dissolução da Iugoslávia. Naquela parte do mundo, fica fácil entender a importância de uma língua para definir a identidade nacional. Dizia-se que, nos tempos de Iugoslavia, a língua padrão de todos os povos era o sérvio-croata. Hoje, fala-se bósnio na Bósnia, sérvio na Sérvia e crota na Croácia. Na prática, contudo, todas as línguas são basicamente uma só.
A razão que que me levou à Bósnia era profissional. Como jornalista, conheci países diversos e inusitados – de Ruanda aos Estados Unidos; do Kosovo à Espanha. Mas foram os intercâmbios motivados pelo desejo de aprender línguas estrangeiras que fizeram com que me apaixonasse de fato pelos lugares por onde passei. Os cursos foram curtos e pontuais, mas aperfeiçar o alemão em Viena, praticar o inglês em Londres e dominar o espanhol em Barcelona me colocou em contato profundo com a essência de cada um daqueles povos.
Ao longo das várias reportagens, relatos e depoimentos desta edição da revista ei! Educação Internacional, você irá entender todos os benecífios de uma temporada de estudos no exterior para a sua vida – e, acredite, eles são muitos. Um deles, contudo, faço questão de ressaltar aqui: o intercâmbio é uma passagem de primeira classe para o fantástico universo das línguas e um mergulho dentro do espírito de um povo. Viajar e se apaixonar por alguém que fale um idioma estrangeiro, como no caso de Jonathan, é consequência (e das boas!), mas aprender uma língua onde ela é motivo de orgulho é uma experiência inesquecível.
*Gustavo Silva é jornalista e editor da revista ei! Educação Internacional (além de autor de um livro sobre a Bósnia: “Da Rosa ao Pó – Histórias da Bósnia pós-Genocídio”)