Belta

Minha pátria é o mundo

Para ser cidadão global, é necessário ter intimidade com um ambiente multicultural

Tomar um expresso queniano numa loja Starbucks em Pequim com holandeses filhos de marroquinos, canadenses filhos de iranianos, norte-americanos filhos de taiwaneses e brasileiros filhos de italianos. Tudo no intervalo de almoço, poucos minutos antes de voltar à empresa sul-coreana onde todos trabalham sob a supervisão de uma sul-africana descendente de indianos. Acabaram-se não apenas os tempos em que os países fechavam suas portas para garantir a autossuficiência econômica ou em que a cultura era engessada pelo orgulho nacional.

Acabaram-se também os tempos em que, para uma boa carreira, bastava conhecer a cultura do país de uma transnacional europeia, norte-americana ou japonesa. Fernando Pessoa podia estar certo ao dizer, no século passado, que sua pátria era a Língua Portuguesa. Mas, se vivesse hoje, provavelmente gostaria de expandir o território de sua pátria simbólica para toda a humanidade.

O mundo treme meio fascinado, meio assustado com essa nova etapa da globalização. Não se trata mais de comer no McDonalds na Indonésia nem em ter imigrantes indianos dirigindo táxis em Nova York. A presença de culturas fora do mundo ocidental está aumentando drasticamente para além dos trabalhos de mão de obra não especializada. Seja em pianistas chineses vencendo concursos internacionais, seja na importância de lideranças como o bengali Mohammad Yunus, vencedor do Nobel da Paz de 2006, e o turco Orham Pamuk, no Nobel de Literatura do mesmo ano.

Aprender a conviver com essas culturas é essencial para uma carreira numa área global. Em 2007, Cingapura investiu cinco bilhões de dólares no banco Merrill Lynch, a mesma quantia que a China injetou no Morgan Stanley. Coisa pequena, perto dos 7,5 bilhões que o emirado de Abu Dhabi investiu no Citibank. Em 2004, a indiana Tata Group comprou a coreana Daewoo por 102 milhões de dólares e, em 2006, a norte-americana Eight OClock Coffee Company, por 220 milhões. Em 2007, foi a vez de comprar a anglo-holandesa Corus, que inclui a antiga British Steel. Por quanto? 8,1 bilhões de dólares.

E essa dança das nações não fica apenas no mundo das corporações. Na indústria do entretenimento, o cinema indiano já tem mais espectadores do que Hollywood e estrelas como a ex-miss mundo Aishwarya Ray, o pianista Lang Lang e a atriz ZiYi Zhang conquistaram o Ocidente. Na área de turismo, haverá cerca de 50 milhões de chineses viajando no exterior em 2010 e asiáticos já são a maioria entre estudantes estrangeiros de escolas de hotelaria suíças.

Os estudos lá fora e a nova visão

Estudar no exterior é um grande passo para aprender a ampliar sua visão de mundo. Num primeiro momento, depara-se com a cultura do país. Mas, quando começarem suas aulas de línguas, esse panorama irá se abrir para os mais diversos países. “Na escola, você conhece umas dez pessoas diferentes de todos os cantos do mundo, a cada dia”, diz Gilbert Fidelis, 29 anos, que estudou inglês na Austrália. Brasileiros são os que não faltam. Andar numa rodinha com seus conterrâneos é uma tentação num país onde tudo ainda é estranho e pouco compreensível. Para Rubens Zanelatto, que também foi à Austrália, a facilidade de se conectar com o Brasil pela internet e pelo telefone faz com que não se aproveite tanto a oportunidade de vivenciar culturas diferentes. “Muitas vezes os estudantes se fecham para novas amizades e até não aprendem tanto o inglês. Eu acredito que a melhor forma para fazer valer o investimento é tentar fazer amizades com os australianos assim como europeus, africanos e asiáticos, de quem muitas vezes nos distanciamos por preconceito”.

Para Michelle McRobert, do canadense Camber College, para o estudante aprender o máximo desse ambiente multicultural e evitar choques e desentendimentos, o importante é aprender observando e ser tolerante. “Não existe o correto, apenas o diferente”, completa.

Ao estudar um idioma no exterior ou mesmo ao trabalhar num ambiente multicultural, não é uma prioridade aprender a falar o “Queens English”, o Hochdeutsch de Hanover ou o francês parisiense, mas sim saber se comunicar com pessoas vindas de diversos contextos. “O inglês falado num ambiente internacional é geralmente mais simples e mais claro que num grupo de nativos falando rápido, com gírias e expressões idiomáticas. Na verdade, há até cursos de treinamento para anglófonos nativos que trabalham em empresas internacionais para que saibam se comunicar claramente em inglês”, conta Jan Capper, diretora executiva da International Association of Language Schools (Ialc).

Interesses em comum

Nem tudo são diferenças quando se entra em contato com uma cultura nova. Uma boa tática para interagir com pessoas de diversas culturas é identificar os pontos em comum. “Os chineses são fanáticos pelo futebol, e, logicamente, também pela seleção brasileira”, comenta Thomas Spring, que estudou chinês em Pequim. “Estava lá na época da Copa América, em que o Brasil foi à final com a Argentina. Combinei com uns franceses e um russo de vermos o jogo, que aconteceria às 4 da madrugada no horário de Pequim. Assistimos no meu quarto e pedi que fizessem silêncio quando saíssem os gols. Acontece que, quando saiu o primeiro gol, houve barulho no hotel inteiro. Todos os chineses e muitos estrangeiros acompanhavam o jogo e no dia seguinte falariam sobre ele. Esquecemos o silêncio e, como o resto do hotel, fizemos barulho o resto da noite”, conta Thomas.

Conhecer melhor nossos vizinhos latino-americanos também é abre os horizontes dos brasileiros que, voltados para o Atlântico, acabamos tendo pouco contato com países que têm muito mais em comum conosco que o amor pelo futebol. Os auditores fiscais Virgínia e Saulo Campos escolheram o Chile para irem com sua filha de 11 anos estudar espanhol por considerarem que, apesar de geograficamente tão próximos de “los hermanos”, os brasileiros envolvem-se muito pouco com eles. “Estávamos em Buenos Aires, na Argentina, e encontramos um grupo de sul-americanos que interagia magistralmente. A impressão era de que todos se conheciam, mas depois percebemos que eram de países diferentes. Chile, Venezuela, Colômbia e assim por diante. Permanecemo-nos excluídos em decorrência da língua, até o momento em que um deles curiosamente nos indagou de onde éramos”, conta Virgínia. “Quando nos apresentarmos como brasileiros, a alegria foi geral. Diziam Brasileños? Vengan, vengan, son nuestros hermanos tambien. Com o esforço de todos, conseguimos nos comunicar e entendemos que quase nada sabíamos de seus problemas de ordem política, de fronteiras. Como poderíamos criticar que os americanos do Norte ignorem o resto do mundo se nós brasileiros ignoramos nossos próprios vizinhos?”, questiona Virgínia.

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